segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Ausência


            As chaves continuam ao lado do cinzeiro. O cinzeiro perto das violetas. As violetas em cima da mesa. A mesa no centro da cozinha...
            As coisas se mantiveram nos lugares mesmo depois dele ir embora.
            A colcha em cima da cama ainda é florida. O quarto se manteve azul...
            Ela ainda chega as seis, com o cansaço sobre os ombros e sob o braço a pasta de trabalho. Ainda carrega as cartas com a mão esquerda. Abre a porta com a direita...
            Senta-se na mesma cadeira. Cozinha com as mesmas panelas. Lava a louça sempre sem usar as luvas, mesmo mantendo-as de baixo da pia. Liga o radio enquanto limpa a casa... Musicas de piano e francesas quando se sente calma ou quando esta triste. Escuta rock quando precisa se animar ou sente raiva. Fica em silencio quando precisa pensar ou chorar.
            A metade do armário em que as coisas dele se encontravam permaneceu vazia desde que ele se foi. Os casacos foram colocados dentro das caixas enquanto brigavam. Os sapatos ocuparam os fundos das malas, enquanto eles se olhavam aborrecidos. As roupas caíram por cima dos sapatos, enquanto tentavam se justificar. Tudo foi lacrado quando duelavam aos gritos. E as caixas de mudança subiram no carro enquanto ela chorava e ele apenas sentia ódio.
            As quatro xícaras quebradas não foram substituídas.
            Ela ainda ocupa apenas o seu gancho no cabideiro.
            Manteve o local onde existem as chaves reserva.
            Dorme sempre do lado direito da cama, mas sempre acorda com o pé esquerdo. Anda para o banheiro sem nunca acender uma luz até fechar a porta atrás de si. A pasta de dente fica do lado contrário ao do sabonete. As toalhas de rosto são sempre lilases. E as toalhas de banho, brancas.
            Acorda no mesmo horário, com as mesmas músicas baixas, como se temesse acordar alguém, mesmo estando sozinha. Compra flores para enfeitar a casa todas as sextas. Lava roupa as terças. Passa-as ao domingo ou no sábado na madrugada.
            A rotina é a mesma. Mesmo sem ele ali ao lado.
            Ela ainda o vê em suas fotos, em cima do piano, nas estantes de livros, pendurado na parede... Mas ele não vai voltar.
            Sente saudade... Não a saudade aterradora, que a faria correr atrás dele. Mas a saudade calma, a certeza de que esse tempo passado junto foi bom e que ainda assim acabou.
            Pensa nele alguns dias. Mas não todos.
            Pensa nas contas e nos estudos. Pensa sobre como será o futuro. Pensa sobre o que vai comer durante a semana, e mantém a lista de compras na geladeira para ir a feira e no mercado nas quartas.
            Durante o fim de semana as vezes sai assistir um filme. As vezes vai até o parque, quando esta sol. Passa sempre que pode em alguma livraria. Lê antes de dormir. Dorme virada para a direita. Dorme sempre perto da janela. Deixa a janela aberta nos dias quentes...
            Ainda para para olhar as nuvens, e caminha olhando o céu.
            O riso ainda é o mesmo. O sorriso e o choro também.
            Ele não caminha ao lado dela. Mas ela caminha...
            As vezes pergunta-se porque mantém os espaços deixados por ele. Porque não os preenche com outras coisas... Mas não sabe a resposta certa... Imagina que é porque esteja habituada a vida dessa forma. Imagina que talvez deseje a volta dele. Imagina que talvez esteja deixando esse espaço para que outro, que não ele, o ocupe.
            Não sabe a resposta certa.
            Mas, que importa?
            Quase não há diferença entre a presença e o vazio se todo o amor morreu seco.     

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