As chaves continuam ao lado do
cinzeiro. O cinzeiro perto das violetas. As violetas em cima da mesa. A mesa no
centro da cozinha...
As coisas se mantiveram nos lugares
mesmo depois dele ir embora.
A colcha em cima da cama ainda é
florida. O quarto se manteve azul...
Ela ainda chega as seis, com o
cansaço sobre os ombros e sob o braço a pasta de trabalho. Ainda carrega as
cartas com a mão esquerda. Abre a porta com a direita...
Senta-se na mesma cadeira. Cozinha
com as mesmas panelas. Lava a louça sempre sem usar as luvas, mesmo mantendo-as
de baixo da pia. Liga o radio enquanto limpa a casa... Musicas de piano e
francesas quando se sente calma ou quando esta triste. Escuta rock quando
precisa se animar ou sente raiva. Fica em silencio quando precisa pensar ou chorar.
A metade do armário em que as coisas
dele se encontravam permaneceu vazia desde que ele se foi. Os casacos foram
colocados dentro das caixas enquanto brigavam. Os sapatos ocuparam os fundos
das malas, enquanto eles se olhavam aborrecidos. As roupas caíram por cima dos
sapatos, enquanto tentavam se justificar. Tudo foi lacrado quando duelavam aos
gritos. E as caixas de mudança subiram no carro enquanto ela chorava e ele apenas sentia ódio.
As quatro xícaras quebradas não
foram substituídas.
Ela ainda ocupa apenas o seu gancho
no cabideiro.
Manteve o local onde existem as
chaves reserva.
Dorme sempre do lado direito da
cama, mas sempre acorda com o pé esquerdo. Anda para o banheiro sem nunca
acender uma luz até fechar a porta atrás de si. A pasta de dente fica do lado
contrário ao do sabonete. As toalhas de rosto são sempre lilases. E as toalhas
de banho, brancas.
Acorda no mesmo horário, com as
mesmas músicas baixas, como se temesse acordar alguém, mesmo estando sozinha.
Compra flores para enfeitar a casa todas as sextas. Lava roupa as terças.
Passa-as ao domingo ou no sábado na madrugada.
A rotina é a mesma. Mesmo sem ele
ali ao lado.
Ela ainda o vê em suas fotos, em
cima do piano, nas estantes de livros, pendurado na parede... Mas ele não vai
voltar.
Sente saudade... Não a saudade
aterradora, que a faria correr atrás dele. Mas a saudade calma, a certeza de
que esse tempo passado junto foi bom e que ainda assim acabou.
Pensa nele alguns dias. Mas não
todos.
Pensa nas contas e nos estudos. Pensa
sobre como será o futuro. Pensa sobre o que vai comer durante a semana, e
mantém a lista de compras na geladeira para ir a feira e no mercado nas
quartas.
Durante o fim de semana as vezes sai
assistir um filme. As vezes vai até o parque, quando esta sol. Passa sempre que
pode em alguma livraria. Lê antes de dormir. Dorme virada para a direita. Dorme
sempre perto da janela. Deixa a janela aberta nos dias quentes...
Ainda para para olhar as nuvens, e
caminha olhando o céu.
O riso ainda é o mesmo. O sorriso e
o choro também.
Ele não caminha ao lado dela. Mas
ela caminha...
As vezes pergunta-se porque mantém
os espaços deixados por ele. Porque não os preenche com outras coisas... Mas
não sabe a resposta certa... Imagina que é porque esteja habituada a vida dessa
forma. Imagina que talvez deseje a volta dele. Imagina que talvez esteja
deixando esse espaço para que outro, que não ele, o ocupe.
Não sabe a resposta certa.
Mas, que importa?
Quase não há diferença entre a
presença e o vazio se todo o amor morreu seco.
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