quinta-feira, 19 de março de 2015

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            Hoje faz um mês que estou longe.
            Não falo de casa porque isso começa a ser complicado. Nos últimos anos tenho mudado constantemente e a cada ano uma cidade diferente tem feito parte do meu repertório. Dessa vez estou mais longe do que todas as outras vezes, dessa vez eu não tenho mais como voltar.
            As casas que eu amo ficaram para trás, minha cama ficou para trás, minha escrivaninha ficou para trás. Ficou para trás meu pai no aeroporto, as 6h da manhã do dia 19, em silêncio e me acenando uma última vez antes de eu passar pelas portas para chegar aos detectores de metal.
            Eu caminhei decidida e cansada nesse dia. Eu não olhei para trás. Eu não chorei no avião, eu não chorei quando cheguei, eu não chorei porque decidi ir. Foram poucas as coisas que conseguiram me fazer chorar aqui até agora... As que conseguiram tem seus motivos.
            A cidade nova não é minha casa, mas ela começa a se organizar de tal forma que um dia virá a ser. Lentamente ela começa a conseguir acomodar as coisas que quero trazer, começa a abrigar sonhos e projetos, ela passa a ter importância, a criar o refúgio que eu ainda não tenho e que me é tão necessário para viver.
            Mas eu jamais vou ter as coisas que tive lá. Porque eu deixei para trás minha mãe no portão de casa depois de um abraço, as 4h50, e seus olhos marejados, sem poder perder tempo para me despedir com calma, para conversar, porque eu não tinha tempo. Tempo foi o que me faltou para ir. Muitas pessoas que eu deveria ter abraçado antes de vir eu sequer consegui ver. Eu não me despedi de meus lugares favoritos e que sei que vão desaparecer com o tempo. Eu não pude dizer aos meus gatos que logo mais eu voltaria para busca-los. Eu não falei direito com a minha irmã no dia anterior.
            E eu fui...
            Com duas malas de roupa, 2 casacos, 2 bolsas, 2 tênis, uma sapatilha, um travesseiro, 5 livros, uma coberta, e um vazio enorme eu fui. Eu trouxe um monte de memórias, que não visito com frequência porque não é justo com ninguém rever suas casas sem casa, falar de família sem nem saber quando vê-la, falar de amor sem nunca ter a perspectiva de reencontro, sentir saudades absurdas e tudo o que tem é uma cama para se curvar como um gato e sentir o estrado e suas costelas lutando por um espaço...
            Isso não significa que eu esqueci.
            Isso significa que sou fraca... Que minhas memórias me doem. Que a saudade me inunda em ondas enormes a cada reconhecimento de algo daqui que me lembra de lá... Que sou constantemente atormentada por lembrar-me das coisas de antes, mas hoje sem jamais saber quando vou vê-las de novo. Dentro de mim meus demônios me respondem: nunca.
         E eu não duvido deles. Não há motivos para duvidar.

14h07

Um dia eu vou desaparecer...
mas não deixa eu passar que nem uma onda
pelos seus pés
Nem cair no chão depois de rodar por suas mãos
como uma concha...
Não deixa eu desaparecer como um balão
de festa infantil que se perde
na avenida principal de uma cidade grande
Não me deixa ser grande na sua mente, me deixa pequenina
mas não transparente...
Não deixa eu ser um reflexo no vidro da varanda do apartamento
Nem ser a vela que você teve que acender
durante o apagão
Não deixa eu ir embora com a chuva,
Não deixa eu ser o tempo entre você fechar os olhos
e dormir
Porque você tem a importância do ipê da minha infância
que eu não posso roubar
Porque quando olho para mim refletida nos seus olhos
é igual a sensação de me ver refletida no piano
Porque você é minha quarta-feira 14h07 que foi quando
eu te beijei
pela última vez
até agora