Hoje
faz um mês que estou longe.
Não
falo de casa porque isso começa a ser complicado. Nos últimos anos tenho mudado
constantemente e a cada ano uma cidade diferente tem feito parte do meu
repertório. Dessa vez estou mais longe do que todas as outras vezes, dessa vez
eu não tenho mais como voltar.
As
casas que eu amo ficaram para trás, minha cama ficou para trás, minha escrivaninha
ficou para trás. Ficou para trás meu pai no aeroporto, as 6h da manhã do dia 19,
em silêncio e me acenando uma última vez antes de eu passar pelas portas para
chegar aos detectores de metal.
Eu
caminhei decidida e cansada nesse dia. Eu não olhei para trás. Eu não chorei no
avião, eu não chorei quando cheguei, eu não chorei porque decidi ir. Foram
poucas as coisas que conseguiram me fazer chorar aqui até agora... As que
conseguiram tem seus motivos.
A
cidade nova não é minha casa, mas ela começa a se organizar de tal forma que um
dia virá a ser. Lentamente ela começa a conseguir acomodar as coisas que quero
trazer, começa a abrigar sonhos e projetos, ela passa a ter importância, a
criar o refúgio que eu ainda não tenho e que me é tão necessário para viver.
Mas
eu jamais vou ter as coisas que tive lá. Porque eu deixei para trás minha mãe
no portão de casa depois de um abraço, as 4h50, e seus olhos marejados, sem poder
perder tempo para me despedir com calma, para conversar, porque eu não tinha
tempo. Tempo foi o que me faltou para ir. Muitas pessoas que eu deveria ter
abraçado antes de vir eu sequer consegui ver. Eu não me despedi de meus lugares
favoritos e que sei que vão desaparecer com o tempo. Eu não pude dizer aos meus
gatos que logo mais eu voltaria para busca-los. Eu não falei direito com a
minha irmã no dia anterior.
E
eu fui...
Com
duas malas de roupa, 2 casacos, 2 bolsas, 2 tênis, uma sapatilha, um
travesseiro, 5 livros, uma coberta, e um vazio enorme eu fui. Eu trouxe um
monte de memórias, que não visito com frequência porque não é justo com ninguém
rever suas casas sem casa, falar de família sem nem saber quando vê-la, falar
de amor sem nunca ter a perspectiva de reencontro, sentir saudades absurdas e
tudo o que tem é uma cama para se curvar como um gato e sentir o estrado e suas
costelas lutando por um espaço...
Isso
não significa que eu esqueci.
Isso
significa que sou fraca... Que minhas memórias me doem. Que a saudade me inunda
em ondas enormes a cada reconhecimento de algo daqui que me lembra de lá... Que
sou constantemente atormentada por lembrar-me das coisas de antes, mas hoje sem
jamais saber quando vou vê-las de novo. Dentro de mim meus demônios me
respondem: nunca.
E
eu não duvido deles. Não há motivos para duvidar.