Frank segurou meu braço.
- Tem que descer!
Eu olhei-o horrorizada.
- Não!
Mas Frank insistia. Segurava meu
braço e meu cotovelo. E dizia para descer, que não havia tempo.
Mas que tempo, Frank? Que tempo? E
ele não dizia.
Olhava-me mudo. Quanto silêncio em
seus lábios, e as palavras correndo para fora de seus pequenos olhos redondos.
Tão redondos. Tão assustados. Não via que também estava assustada? Não dizia...
Ele não me respondeu, e me pareceu
chateado. Mas é difícil saber diferenciar as expressões de Frank, tudo é muito
próximo, muito junto, muito confuso. E sou duas vezes e meia mais confusa que o
mundo, então tenho dificuldade em saber...
Olho para cima, e vejo meu teto
branco. Parece que ele desce. Mas na verdade sou eu que estou lentamente
crescendo.
- Rápido! – Frank fala desesperado.
Há tanto desespero nele... Nunca o
vi assim. Segura avidamente o relógio. Bate os pés no chão. Rodeia-me e anda em
círculos sem rumo.
Não sei o que falar, nem o que
fazer. Não quero descer... Tenho medo. Não quero ficar... Tenho medo.
- Desça! Por favor... É tarde! – ele
fala.
É tarde?
Há
apenas uma pequena janela no quarto, estico a cabeça para olhar lá fora. Fico
assustada. Vejo o sol correr pelo céu, e tão logo já é noite. As estrelas
brilham lá fora, a lua começa a subir. Cometas passam com a velocidade de um
piscar. A lua desce, e tão logo o sol ocupa seu lugar. Vejo lá fora as plantas
crescendo e morrendo. As folhas vão do verde ao amarelo e vermelho, então caem,
e voltam a aparecer verdes. Pinheiros começam a alcançar os céus, que mudam
constantemente de cor, cheios de nuvens que parecem aparecer de lugar nenhum e
simplesmente desaparecer espontaneamente.
Fico zonza.
Olho para Frank. Ele retira seu
casaco azul cuidadosamente, e deixa-o cair no tapete. Anda mais algumas vezes
pelo quarto, que vai ficando cada vez mais apertado por minha causa.
- Frank? E agora? – eu digo olhando
para ele, dessa vez eu estou muito mais desesperada que ele.
Ele não me responde. Ele esta
tremendo... Vê algo pela janela muito mais longe...
Nervoso, Frank olha o relógio.
- Alice, é tarde! É tarde...
E então o relógio escorrega de suas
patas e cai no chão. Vejo os ponteiros se perderem de baixo de minha cama, e
cacos de vidros caírem por sobre o tapete e perto do criado mudo... Alguns
seguem os ponteiros, que não consigo mais ver.
Frank coloca suas patas da frente no
chão. Olha-me longamente com seus pequenos olhinhos. Mexe os bigodes.
- Frank... – olho-o cuidadosamente.
Mas agora ele me parece apenas um
coelho normal.
Tento
alcança-lo com minhas mãos gigantes, mas ele corre porta afora, sobre suas
ágeis patas de coelho. Vejo seu rabinho branco desaparecer na mistura de tempos
que acontece do lado de fora da pequena casa. Quase uma casa de bonecas...
Seguro então o casaco de Frank,
agora minúsculo em minhas mãos. Mas ele desfia até se tornar um amontoado de
fios, que escorregam de minhas mãos, grandes e desajeitadas.
Vejo
o relógio, mas quando o pego em minhas mãos ele termina de se desmontar...
Fragilmente... Fico com as mãos cheias de molas, parafusos e engrenagens.
Mas
ainda assim não paro de crescer, então logo, mesmo essas peças, parecem apenas
pó em minhas mãos, que é levado pelo vento ou acaba por cair no chão.
A
cama quebra sobre meu peso.
O
teto começa a se encurvar sob as minhas costas.
As
janelas quebram-se.
As paredes ficam abobadas.
E tudo desmancha.
Cresço mais que tudo, e atinjo os
céus.
Em meus pés estão todas as coisas de
infância. Desconcertantemente pequenas... Nada cabe em minhas mãos, nenhuma das
roupas antigas serve, nem mesmo consigo caminhar normalmente nesse antigo
mundo. A toca, que Frank tanto insistiu para que eu descesse já nem existe mais
lá. As cartas de copas são só parte do baralho. Todas as flores emudeceram.
Ninguém pinta as rosas cor de carmin. Nenhuma das peças de xadrez fala. Não há
grifos. Nem ostrinhas. Não há cavaleiros ou chapeleiros. Perderam-se os gatos
que sorriem. E o eterno chá da tarde...
Mas ainda vejo-me como Alice.
Estranhamente grande...
Grande demais para ser a criança.