sexta-feira, 28 de junho de 2013

É tarde.

            Frank segurou meu braço.
            - Tem que descer!
            Eu olhei-o horrorizada.
            - Não!
            Mas Frank insistia. Segurava meu braço e meu cotovelo. E dizia para descer, que não havia tempo.
            Mas que tempo, Frank? Que tempo? E ele não dizia.
            Olhava-me mudo. Quanto silêncio em seus lábios, e as palavras correndo para fora de seus pequenos olhos redondos. Tão redondos. Tão assustados. Não via que também estava assustada? Não dizia...
            Ele não me respondeu, e me pareceu chateado. Mas é difícil saber diferenciar as expressões de Frank, tudo é muito próximo, muito junto, muito confuso. E sou duas vezes e meia mais confusa que o mundo, então tenho dificuldade em saber...
            Olho para cima, e vejo meu teto branco. Parece que ele desce. Mas na verdade sou eu que estou lentamente crescendo.
            - Rápido! – Frank fala desesperado.
            Há tanto desespero nele... Nunca o vi assim. Segura avidamente o relógio. Bate os pés no chão. Rodeia-me e anda em círculos sem rumo.
            Não sei o que falar, nem o que fazer. Não quero descer... Tenho medo. Não quero ficar... Tenho medo.
            - Desça! Por favor... É tarde! – ele fala.
            É tarde?
Há apenas uma pequena janela no quarto, estico a cabeça para olhar lá fora. Fico assustada. Vejo o sol correr pelo céu, e tão logo já é noite. As estrelas brilham lá fora, a lua começa a subir. Cometas passam com a velocidade de um piscar. A lua desce, e tão logo o sol ocupa seu lugar. Vejo lá fora as plantas crescendo e morrendo. As folhas vão do verde ao amarelo e vermelho, então caem, e voltam a aparecer verdes. Pinheiros começam a alcançar os céus, que mudam constantemente de cor, cheios de nuvens que parecem aparecer de lugar nenhum e simplesmente desaparecer espontaneamente.
            Fico zonza.
            Olho para Frank. Ele retira seu casaco azul cuidadosamente, e deixa-o cair no tapete. Anda mais algumas vezes pelo quarto, que vai ficando cada vez mais apertado por minha causa.
            - Frank? E agora? – eu digo olhando para ele, dessa vez eu estou muito mais desesperada que ele.
            Ele não me responde. Ele esta tremendo... Vê algo pela janela muito mais longe...
            Nervoso, Frank olha o relógio.
            - Alice, é tarde! É tarde...
            E então o relógio escorrega de suas patas e cai no chão. Vejo os ponteiros se perderem de baixo de minha cama, e cacos de vidros caírem por sobre o tapete e perto do criado mudo... Alguns seguem os ponteiros, que não consigo mais ver.
            Frank coloca suas patas da frente no chão. Olha-me longamente com seus pequenos olhinhos. Mexe os bigodes.
            - Frank... – olho-o cuidadosamente.
            Mas agora ele me parece apenas um coelho normal.
Tento alcança-lo com minhas mãos gigantes, mas ele corre porta afora, sobre suas ágeis patas de coelho. Vejo seu rabinho branco desaparecer na mistura de tempos que acontece do lado de fora da pequena casa. Quase uma casa de bonecas...
            Seguro então o casaco de Frank, agora minúsculo em minhas mãos. Mas ele desfia até se tornar um amontoado de fios, que escorregam de minhas mãos, grandes e desajeitadas.
Vejo o relógio, mas quando o pego em minhas mãos ele termina de se desmontar... Fragilmente... Fico com as mãos cheias de molas, parafusos e engrenagens.
Mas ainda assim não paro de crescer, então logo, mesmo essas peças, parecem apenas pó em minhas mãos, que é levado pelo vento ou acaba por cair no chão.
A cama quebra sobre meu peso.
O teto começa a se encurvar sob as minhas costas.
As janelas quebram-se.
            As paredes ficam abobadas.
            E tudo desmancha.
            Cresço mais que tudo, e atinjo os céus.
            Em meus pés estão todas as coisas de infância. Desconcertantemente pequenas... Nada cabe em minhas mãos, nenhuma das roupas antigas serve, nem mesmo consigo caminhar normalmente nesse antigo mundo. A toca, que Frank tanto insistiu para que eu descesse já nem existe mais lá. As cartas de copas são só parte do baralho. Todas as flores emudeceram. Ninguém pinta as rosas cor de carmin. Nenhuma das peças de xadrez fala. Não há grifos. Nem ostrinhas. Não há cavaleiros ou chapeleiros. Perderam-se os gatos que sorriem. E o eterno chá da tarde...
            Mas ainda vejo-me como Alice. Estranhamente grande...
            Grande demais para ser a criança.