domingo, 23 de dezembro de 2012

As mãos


(este texto dialoga com o poema de Carlos Drummond de Andrade – O sentimento do mundo)

Tenho duas mãos apenas...
            Duas mãos que carregam meus papeis, e seguram a vassoura e o rodo para limpar a casa. Duas mãos que passam a roupa aos domingos, e lavam a louça diariamente. Esfregam meias e esfregam azulejos...
            Em meus dedos há sempre o peso de tarefas. Se não da dimensão cotidiana da limpeza e da faxina, então do cotidiano estudo. Dizem que as lapiseiras são leves, mas pesam terrivelmente sobre as mãos, calejam-nos como escravos, escravizam-nos sob a proposta de futuro que jamais existiu... Nossos sonhos açoitam nossos lombos.
            Em meus olhos há sempre melancolia, mas não volto os passos para trás, não importa quantas vezes vire a cabeça para ver o que já passei. Não posso... Vejo que há em meu passado lágrimas, mas que são mais leves que as que escorrem por meus olhos agora. Há dores, que são menores do que as que sinto hoje. Há angustia, mas essa agora me embala tão completamente que tenho os joelhos sempre a tremer e esse desejo de cair que nunca passa... E me persegue.
            Vejo os abraços antigos, e como quero voltar. Mas jamais o faço. Se voltar um passo sequer não andarei a frente nessa batalha. Sei que morrerei com as balas, porque também seguro um fuzil. Sei que todos morreremos nessa guerra, porque é disso que as guerras são feitas...
            Algumas pessoas tentam se animar com as linhas perdidas dentro dos bolsos das fardas. Estamos todos sempre fardados, dormindo com as armas ao alcance das mãos, segurando-as como extensões de nossos dedos, e de nossas mãos. Nada me anima. Vejo-os e entristeço-me. Onde estou? Pergunto-me diariamente, sabendo que nunca tive resposta, nem nunca a terei. Sei que estou longe, e que mesmo com os pés doendo e joelhos fraquejando falta muito ainda para chegar em algum lugar...
            Mas é tão difícil... Quando tenho uma certeza, busco um sonho. Quando a certeza é perdida, ela se torna meu sonho, e o sonho anterior é um simples capricho. Ando sempre em linha torta. Perdi todas as linhas retas, se não as traçadas por minhas mãos.
            Tenho duas mãos, elas não carregam qualquer sentimento do mundo, são pequenas demais para isso. Não carregam meus sonhos. Não carregam minhas lágrimas. Não carregam quase nada, deixaram as ilusões escorrer por entre os dedos, e as perdi pelo caminho... Mas são capazes de carregar um botão perdido, uma folha seca, uma pequena pedra, um fio de cabelo... Restos... Mas que não me abandonam, não caem de minhas mãos nesse amanhecer dentro de mim que é sempre escuro.

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