(este texto dialoga com o poema de Carlos Drummond de Andrade – O sentimento do mundo)
Tenho
duas mãos apenas...
Duas mãos que carregam meus papeis,
e seguram a vassoura e o rodo para limpar a casa. Duas mãos que passam a roupa
aos domingos, e lavam a louça diariamente. Esfregam meias e esfregam
azulejos...
Em meus dedos há sempre o peso de
tarefas. Se não da dimensão cotidiana da limpeza e da faxina, então do
cotidiano estudo. Dizem que as lapiseiras são leves, mas pesam terrivelmente
sobre as mãos, calejam-nos como escravos, escravizam-nos sob a proposta de
futuro que jamais existiu... Nossos sonhos açoitam nossos lombos.
Em meus olhos há sempre melancolia,
mas não volto os passos para trás, não importa quantas vezes vire a cabeça para
ver o que já passei. Não posso... Vejo que há em meu passado lágrimas, mas que
são mais leves que as que escorrem por meus olhos agora. Há dores, que são
menores do que as que sinto hoje. Há angustia, mas essa agora me embala tão
completamente que tenho os joelhos sempre a tremer e esse desejo de cair que
nunca passa... E me persegue.
Vejo os abraços antigos, e como
quero voltar. Mas jamais o faço. Se voltar um passo sequer não andarei a frente
nessa batalha. Sei que morrerei com as balas, porque também seguro um fuzil.
Sei que todos morreremos nessa guerra, porque é disso que as guerras são
feitas...
Algumas pessoas tentam se animar com
as linhas perdidas dentro dos bolsos das fardas. Estamos todos sempre fardados,
dormindo com as armas ao alcance das mãos, segurando-as como extensões de
nossos dedos, e de nossas mãos. Nada me anima. Vejo-os e entristeço-me. Onde
estou? Pergunto-me diariamente, sabendo que nunca tive resposta, nem nunca a
terei. Sei que estou longe, e que mesmo com os pés doendo e joelhos fraquejando
falta muito ainda para chegar em algum lugar...
Mas é tão difícil... Quando tenho
uma certeza, busco um sonho. Quando a certeza é perdida, ela se torna meu
sonho, e o sonho anterior é um simples capricho. Ando sempre em linha torta.
Perdi todas as linhas retas, se não as traçadas por minhas mãos.
Tenho duas mãos, elas não carregam
qualquer sentimento do mundo, são pequenas demais para isso. Não carregam meus
sonhos. Não carregam minhas lágrimas. Não carregam quase nada, deixaram as
ilusões escorrer por entre os dedos, e as perdi pelo caminho... Mas são capazes
de carregar um botão perdido, uma folha seca, uma pequena pedra, um fio de
cabelo... Restos... Mas que não me abandonam, não caem de minhas mãos nesse amanhecer dentro de
mim que é sempre escuro.
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