Nossa história... Fiquei presa a
esse título, embora ele não seja correto. Porque nem é ‘nossa’, nem é
‘história’, muito menos ‘nossa história’... Mas também é exatamente isso. Nossa
história é longa... Porque começa antes de ser nossa e muito antes de ser
história. Ela começa como ideia... Que sei que foi minha, mas esqueci de
perguntar a você se foi sua também.
O principio é simples.
Começamos quando nos encontramos na
estação de trem. Olhei para o lado e o vi pela primeira vez, quis dizer alguma
coisa, quis correr até você e ler o título do livro que tinha em mãos, quis
entrar dentro de sua bolsa e ser levada para sua casa. Mas entramos em vagões
diferentes...
Depois disso foi você que me
encontrou. Enquanto estava parada no sol, como flor, e você veio, como céu, e
me sorriu em azul, sem saber que era a minha cor favorita. Desviei os olhos,
mas as rosas vermelhas e rosadas em meu rosto já diziam (e gritavam!) que eu
gostava de você. Mas o tempo passou, e tomei coragem para olhar para você
quando já era noite... E seus olhos escuros brilhavam com todas as estrelas do
mundo, mas não consegui ver se quem estava dentro de seus olhos era eu. E
adormeci ao seu lado, com apenas as nuvens e o ar para nos separar.
Então nos encontramos no horizonte.
Tirou o chapéu quando passei, e eu soprei borboletas para você. Mas quando
tentou pegar minha mão eu corri para longe, porque queria arrastar você para
longe do mundo, para tê-lo comigo e apenas comigo, quando conversasse-mos,
entretanto o mundo passou entre nós, e você foi arrastado pela multidão, e
outra multidão me levou para longe. Lutei para ir contra a correnteza, e
segurar sua mão... Mas encontrei cabelos apenas. E me afoguei...
Acordei em uma praia. Bem longe de
casa. E já sem ninguém. Gritei seu nome e ninguém me respondeu. Chamei-o em
outras línguas e de outros nomes, mas todos eles seus. Não veio, nem mesmo
quando disse que tinha um segredo para te contar... Então, enfiei os pés sob a
areia, e assisti as ondas passaram... Coloquei a concha no ouvido e escutei o
mar cantar. Até que a voz do mar se tornou a sua. E seus sussurros em meu
ouvido me fizeram rir... Até adormecer novamente. Você subiu como mar, e quis
me carregar com suas ondas... Mas o movimento me acordou, e, assustada, virei
gaivota e fugi de você... Quando percebi que era você me arrependi, mas
magoei-o, e jogou ondas em mim quando tentei me aproximar.
Tinha fome... E você não queria
falar comigo.
Então decidi voltar para casa.
Entrei por uma das janelas abertas.
Tirei as penas, e tomei chá. Tinha sono de novo, então, depois do banho me
deitei na cama, junto de uma coberta velha, que foi de meus pais, um
travesseiro velho, que era da infância, e meus dois gatos, que são para a vida
toda. Eles se aninharam em mim, enroscaram-se em meus cabelos, e eu senti seus
pelos em meu rosto. Sonhei que você vinha. Mas foi só sonho... Porque você não
veio.
Mas deixou uma mensagem em meu
celular. Dizia que queria me ver, que sentia saudades, que queria pedir
desculpa pelos gritos. E eu me aprontei e fui. Não encontrei você no sol... O
que me irritou, porque tinha arrumado o cabelo. Então, na fúria me descabelei e
esperei outro ônibus passar... Voltei para casa. E lá estava você, como gato,
junto com meus gatos. Enroscou-se em minhas pernas e miou para que lhe fizesse
a comida... Emburrada eu lhe fiz um sanduiche. Ronronou em meu colo enquanto
assistíamos um filme, e dormiu antes de chegar ao fim. Adormeci depois de um
tempo também. Mas quando acordei você não estava lá.
Não me deixou mensagem. Não me
deixou bilhete. E saiu pela janela do segundo andar do prédio...
Magoou-me. E eu quis quebrar o mundo
inteiro. Depois quis chorar o mundo inteiro. E então tomei um banho e depois um
chá. E sentei-me ao piano.
Quando sai a rua encontrei você de
novo. Como hera enrostou seu braço no meu, beijou-me a bochecha, e eu fiquei
quieta como muro...
A noite me ligou chateado. Fui dura
com você...
Mas na manhã seguinte pendurou uma
faixa sob a minha janela dizendo que gostava de mim também, com as cores das
rosas que em meu rosto disseram que eu gostava de você! Corri pelas nuvens para
encontrar você... Mas se escondeu, com medo de que eu não sentisse o mesmo.
Não o encontrei por semanas.
Mas eu o persegui como cão, e você,
como raposa, desviou de mim.
Corremos por toda a cidade, mas você
mesmo assim conseguiu fugir.
Só consegui te ver quando fingi ser
seu travesseiro, e a noite, deitou a cabeça em meu colo. Conversamos a noite
toda, apenas com a iluminação de seus olhos, e das palavras minhas. E dessa vez
eu acordei mais cedo, mas não consegui sair do apartamento sem me sentir mal
por deixa-lo dormindo, então fiquei, e lhe fiz mingau de aveia.
Beijou-me antes de ir para o
trabalho, levando a pasta, o lanche, que era almoço, e o documento, para ser
real... E era absurdamente irreal para mim. Feliz, limpei a casa, e lhe fiz a
janta, ocupando o papel de dona de casa para você. A tarde me arrumei e
coloquei uma roupa bonita, que o fez sorrir quando chegou para jantar.
Passamos uma semana assim.
Mas seu ciúmes foi crescendo. E a
noite, enquanto dormia, revirou minhas roupas sujas atrás de provas, e
encontrou linhas e botões... Me acordou de madrugada gritando, falando coisas
que não ouso repetir, disse que me amava, mas que eu o amava pouco, falou de
amantes que nunca vi, e de lugares que nunca fui. Eu chorei. Bati em você e lhe
arranquei da mão as linhas e os botões, que tinham ficado tanto tempo comigo,
esperando. Esperando...
E então sai pela porta.
Estava descalça e as ruas sujavam
meus pés...
As luzes dos carros passavam como
cometas e estrelas caídas
E eu me sentia mais caída do que
todos eles, do que todas as coisas do mundo...
Então decidi dormir em cima dos
telhados, para ficar mais perto do céu. Durante as tardes choviam cinzas e as
vezes cabelos, uma tristeza. Durante a noite chovia água, que lavava as cinzas
e me encharcava. E de manhã chovia sol... Mas eu me mantive ali, porque estava
acima de tudo, embora jamais de todos...
Pensava em você. Mas dai as cinzas
vinham e levavam o pensamento.
Lembrava de você. Mas dai a água
vinha e em correnteza levavam as lembranças.
Sentia saudades de você. Mas dai
chovia sol, e tinha tanto cansaço que só conseguia dormir... Sonhos agitados
que nunca ficaram na memória... Talvez seja ai que você tenha ficado.
A verdade é que um dia subiu no
telhado, para tirar as plantas que estavam nascendo entre as telhas, e em baixo
das plantas, me encontrou dormindo. Cortou-me as raízes com cuidado, e me
trouxe para sua casa. Colocou-me em um vaso, bem no meio da mesa da cozinha, e
deixou-me dormir.
Dormi por meses, e quando acordei,
exibiu-me para o mundo todo. Colocou-se como meu salvador. E me beijou cuidado,
como se fosse flor, e como se fosse delicada.
Quando estávamos sozinhos pediu
desculpas.
E eu as aceitei.
Então
disse que precisávamos de tempo. E você concordou.
Voltei para casa, e meus gatos, que
tinham limpado a casa para mim, me saudaram, e juntos nós dormimos novamente.
Passamos a ser namorados.
Mas nunca falamos de amor.
Apenas andávamos de mãos dadas
Comentei sobre casamentos e você
fugiu...
Desapareceu...
Eu não o procurei dessa vez, porque
fiquei sentida. E decidi que não gastaria meu tempo levando suas coisas em
minhas costas.
E o tempo passou entre nós... As
mensagens se tornaram raras, e morreram. Não tive mais visitas suas, e minha
xicara estava sempre sozinha sobre a mesa de café da manhã.
Até que enquanto voltava a noite da
faculdade, encontrei-o sentado na sarjeta. Quando sua cabeça se levantou para
olhar-me, vi em seus olhos que quem estava lá dentro era eu. E sem palavras
beijei-o pela primeira vez. Sussurrei que te amava. Mas não deixei que
entendesse tudo o que acontecia, porque eu não entendia.
Mas
quando dei um passo para o lado o vento pegou minha mão, e me arrastou para
longe, e me fizeram subir montanhas e torres. E lá esperei você chegar.
Vi seus olhos nas estrelas, e contei
as horas com o sol.
Sonhei com você... Dormindo e
acordada. E passava meu tempo pensando nas coisas que teria que enfrentar.
Pensei em deixar o cabelo crescer, para que pudesse subir, mas sempre tive
cabelos finos demais. Então coloquei uma figueira ao pé da torre. E ela
cresceu. E eu cresci...
As flores amarelas e medrosas
apareceram ao redor da torre. Mas nada de você chegar.
Nada...
Então eu desci para o chão.
E sozinha eu fui encharcando o
caminho da torre até minha casa. Mas no meio do percurso encontrei você...
Estava sentado em um bar assistindo um jogo de futebol, segurando uma semente
de pêssego nas mãos, e torcendo avidamente para que o golaço acontecesse...
Eu sai em fúria, e você viu meu
cabelo fazendo a curva...
Largou a semente no chão, e correu
para me encontrar.
Mas só me encontrou em casa,
chorando sob as cobertas. Não me descobriu, mas teve a decência de tirar os
sapatos e não pedir açúcar algum, e veio se encolher em baixo dos cobertores
comigo.
Secou minhas lágrimas com suas mãos.
Beijou-me as faces para me fazer
sorrir.
Falou sobre sonhos e sobre mundos.
E segurou minhas mãos para torna-las
quentes... Mesmo com tantas sereias mortas.
Salguei seu rosto, bem eu sei, e
ainda assim sorriu-me e lambeu o sal dos lábios.
Pediu-me em casamento, e ali mesmo
casamos usando alianças de cadarços...
E ali prometemos que faríamos aquilo
funcionar.