sexta-feira, 10 de maio de 2013

Nossa história


            Nossa história... Fiquei presa a esse título, embora ele não seja correto. Porque nem é ‘nossa’, nem é ‘história’, muito menos ‘nossa história’... Mas também é exatamente isso. Nossa história é longa... Porque começa antes de ser nossa e muito antes de ser história. Ela começa como ideia... Que sei que foi minha, mas esqueci de perguntar a você se foi sua também.
            O principio é simples.
            Começamos quando nos encontramos na estação de trem. Olhei para o lado e o vi pela primeira vez, quis dizer alguma coisa, quis correr até você e ler o título do livro que tinha em mãos, quis entrar dentro de sua bolsa e ser levada para sua casa. Mas entramos em vagões diferentes...
            Depois disso foi você que me encontrou. Enquanto estava parada no sol, como flor, e você veio, como céu, e me sorriu em azul, sem saber que era a minha cor favorita. Desviei os olhos, mas as rosas vermelhas e rosadas em meu rosto já diziam (e gritavam!) que eu gostava de você. Mas o tempo passou, e tomei coragem para olhar para você quando já era noite... E seus olhos escuros brilhavam com todas as estrelas do mundo, mas não consegui ver se quem estava dentro de seus olhos era eu. E adormeci ao seu lado, com apenas as nuvens e o ar para nos separar.
            Então nos encontramos no horizonte. Tirou o chapéu quando passei, e eu soprei borboletas para você. Mas quando tentou pegar minha mão eu corri para longe, porque queria arrastar você para longe do mundo, para tê-lo comigo e apenas comigo, quando conversasse-mos, entretanto o mundo passou entre nós, e você foi arrastado pela multidão, e outra multidão me levou para longe. Lutei para ir contra a correnteza, e segurar sua mão... Mas encontrei cabelos apenas. E me afoguei...
            Acordei em uma praia. Bem longe de casa. E já sem ninguém. Gritei seu nome e ninguém me respondeu. Chamei-o em outras línguas e de outros nomes, mas todos eles seus. Não veio, nem mesmo quando disse que tinha um segredo para te contar... Então, enfiei os pés sob a areia, e assisti as ondas passaram... Coloquei a concha no ouvido e escutei o mar cantar. Até que a voz do mar se tornou a sua. E seus sussurros em meu ouvido me fizeram rir... Até adormecer novamente. Você subiu como mar, e quis me carregar com suas ondas... Mas o movimento me acordou, e, assustada, virei gaivota e fugi de você... Quando percebi que era você me arrependi, mas magoei-o, e jogou ondas em mim quando tentei me aproximar.
            Tinha fome... E você não queria falar comigo.
            Então decidi voltar para casa.
            Entrei por uma das janelas abertas. Tirei as penas, e tomei chá. Tinha sono de novo, então, depois do banho me deitei na cama, junto de uma coberta velha, que foi de meus pais, um travesseiro velho, que era da infância, e meus dois gatos, que são para a vida toda. Eles se aninharam em mim, enroscaram-se em meus cabelos, e eu senti seus pelos em meu rosto. Sonhei que você vinha. Mas foi só sonho... Porque você não veio.
            Mas deixou uma mensagem em meu celular. Dizia que queria me ver, que sentia saudades, que queria pedir desculpa pelos gritos. E eu me aprontei e fui. Não encontrei você no sol... O que me irritou, porque tinha arrumado o cabelo. Então, na fúria me descabelei e esperei outro ônibus passar... Voltei para casa. E lá estava você, como gato, junto com meus gatos. Enroscou-se em minhas pernas e miou para que lhe fizesse a comida... Emburrada eu lhe fiz um sanduiche. Ronronou em meu colo enquanto assistíamos um filme, e dormiu antes de chegar ao fim. Adormeci depois de um tempo também. Mas quando acordei você não estava lá.
            Não me deixou mensagem. Não me deixou bilhete. E saiu pela janela do segundo andar do prédio...
            Magoou-me. E eu quis quebrar o mundo inteiro. Depois quis chorar o mundo inteiro. E então tomei um banho e depois um chá. E sentei-me ao piano.
            Quando sai a rua encontrei você de novo. Como hera enrostou seu braço no meu, beijou-me a bochecha, e eu fiquei quieta como muro...
            A noite me ligou chateado. Fui dura com você...
            Mas na manhã seguinte pendurou uma faixa sob a minha janela dizendo que gostava de mim também, com as cores das rosas que em meu rosto disseram que eu gostava de você! Corri pelas nuvens para encontrar você... Mas se escondeu, com medo de que eu não sentisse o mesmo.
            Não o encontrei por semanas.
            Mas eu o persegui como cão, e você, como raposa, desviou de mim.
            Corremos por toda a cidade, mas você mesmo assim conseguiu fugir.
            Só consegui te ver quando fingi ser seu travesseiro, e a noite, deitou a cabeça em meu colo. Conversamos a noite toda, apenas com a iluminação de seus olhos, e das palavras minhas. E dessa vez eu acordei mais cedo, mas não consegui sair do apartamento sem me sentir mal por deixa-lo dormindo, então fiquei, e lhe fiz mingau de aveia.
            Beijou-me antes de ir para o trabalho, levando a pasta, o lanche, que era almoço, e o documento, para ser real... E era absurdamente irreal para mim. Feliz, limpei a casa, e lhe fiz a janta, ocupando o papel de dona de casa para você. A tarde me arrumei e coloquei uma roupa bonita, que o fez sorrir quando chegou para jantar.
            Passamos uma semana assim.
            Mas seu ciúmes foi crescendo. E a noite, enquanto dormia, revirou minhas roupas sujas atrás de provas, e encontrou linhas e botões... Me acordou de madrugada gritando, falando coisas que não ouso repetir, disse que me amava, mas que eu o amava pouco, falou de amantes que nunca vi, e de lugares que nunca fui. Eu chorei. Bati em você e lhe arranquei da mão as linhas e os botões, que tinham ficado tanto tempo comigo, esperando. Esperando...
            E então sai pela porta.
            Estava descalça e as ruas sujavam meus pés...
            As luzes dos carros passavam como cometas e estrelas caídas
            E eu me sentia mais caída do que todos eles, do que todas as coisas do mundo...
            Então decidi dormir em cima dos telhados, para ficar mais perto do céu. Durante as tardes choviam cinzas e as vezes cabelos, uma tristeza. Durante a noite chovia água, que lavava as cinzas e me encharcava. E de manhã chovia sol... Mas eu me mantive ali, porque estava acima de tudo, embora jamais de todos...
            Pensava em você. Mas dai as cinzas vinham e levavam o pensamento.
            Lembrava de você. Mas dai a água vinha e em correnteza levavam as lembranças.
            Sentia saudades de você. Mas dai chovia sol, e tinha tanto cansaço que só conseguia dormir... Sonhos agitados que nunca ficaram na memória... Talvez seja ai que você tenha ficado.
            A verdade é que um dia subiu no telhado, para tirar as plantas que estavam nascendo entre as telhas, e em baixo das plantas, me encontrou dormindo. Cortou-me as raízes com cuidado, e me trouxe para sua casa. Colocou-me em um vaso, bem no meio da mesa da cozinha, e deixou-me dormir.
            Dormi por meses, e quando acordei, exibiu-me para o mundo todo. Colocou-se como meu salvador. E me beijou cuidado, como se fosse flor, e como se fosse delicada.
            Quando estávamos sozinhos pediu desculpas.
            E eu as aceitei.
Então disse que precisávamos de tempo. E você concordou.
            Voltei para casa, e meus gatos, que tinham limpado a casa para mim, me saudaram, e juntos nós dormimos novamente.
            Passamos a ser namorados.
            Mas nunca falamos de amor.
            Apenas andávamos de mãos dadas
            Comentei sobre casamentos e você fugiu...
            Desapareceu...
            Eu não o procurei dessa vez, porque fiquei sentida. E decidi que não gastaria meu tempo levando suas coisas em minhas costas.
            E o tempo passou entre nós... As mensagens se tornaram raras, e morreram. Não tive mais visitas suas, e minha xicara estava sempre sozinha sobre a mesa de café da manhã.
            Até que enquanto voltava a noite da faculdade, encontrei-o sentado na sarjeta. Quando sua cabeça se levantou para olhar-me, vi em seus olhos que quem estava lá dentro era eu. E sem palavras beijei-o pela primeira vez. Sussurrei que te amava. Mas não deixei que entendesse tudo o que acontecia, porque eu não entendia.
Mas quando dei um passo para o lado o vento pegou minha mão, e me arrastou para longe, e me fizeram subir montanhas e torres. E lá esperei você chegar.
            Vi seus olhos nas estrelas, e contei as horas com o sol.
            Sonhei com você... Dormindo e acordada. E passava meu tempo pensando nas coisas que teria que enfrentar. Pensei em deixar o cabelo crescer, para que pudesse subir, mas sempre tive cabelos finos demais. Então coloquei uma figueira ao pé da torre. E ela cresceu. E eu cresci...
            As flores amarelas e medrosas apareceram ao redor da torre. Mas nada de você chegar.
            Nada...
            Então eu desci para o chão.
            E sozinha eu fui encharcando o caminho da torre até minha casa. Mas no meio do percurso encontrei você... Estava sentado em um bar assistindo um jogo de futebol, segurando uma semente de pêssego nas mãos, e torcendo avidamente para que o golaço acontecesse...
            Eu sai em fúria, e você viu meu cabelo fazendo a curva...
            Largou a semente no chão, e correu para me encontrar.
            Mas só me encontrou em casa, chorando sob as cobertas. Não me descobriu, mas teve a decência de tirar os sapatos e não pedir açúcar algum, e veio se encolher em baixo dos cobertores comigo.
            Secou minhas lágrimas com suas mãos.
            Beijou-me as faces para me fazer sorrir.
            Falou sobre sonhos e sobre mundos.
            E segurou minhas mãos para torna-las quentes... Mesmo com tantas sereias mortas.
            Salguei seu rosto, bem eu sei, e ainda assim sorriu-me e lambeu o sal dos lábios.
            Pediu-me em casamento, e ali mesmo casamos usando alianças de cadarços...
            E ali prometemos que faríamos aquilo funcionar.