sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

A caixa

Você não deve ter entendido porque eu deixei uma caixa na frente da sua casa com um cartão com o meu nome.
Mas eu queria que você tivesse a dimensão das coisas antes de eu ir embora, como te disse na quarta à tarde. Naquele dia meio morno, sem nenhuma graça se não você. Quando estávamos juntinhos e eu fiquei longos minutos tentando repassar o que deveria te falar, enquanto você, tão alheio a minha confusão, sorria leve e me contava sobre seu dia a dia...
Eu não consegui te passar o que queria... Então aqui vai.
Queria que soubesse do peso que sua ausência vai causar... Do silêncio que vai ser não ter você para conversar, não ouvir sua voz, mas tê-la guardada dentro da minha cabeça... Lembro a cena exata em que você me disse... Como você é bonita... E que eu te beijei em seguida...
Queria que você soubesse que é muito real minha partida, que ela existe além da minha vontade, além da sua vontade, como uma grande certeza, porque ela foi a minha única luta e, nem mesmo eu, posso ou quero desistir dela agora. Que ela tem um tempo, que começa numa terça de manhã em que uma caixa esteve na frente da sua porta, e que não termina nunca, porque nem mesmo eu sei onde é o fim do caminho.
Queria que soubesse que todos os pequenos presentes e detalhes nossos, que não estão com você, estão comigo. Acho que eles vão me assombrar... E espero que assombrem você também, que te façam a noite ficar 3 horas olhando o teto, que te façam ficar triste ao olhar um desenho nem caderno, que te façam ficar em silêncio... Mesmo você, cheio de palavras, reclamações, informações, às vezes tão desnecessárias... Quero que a ideia que tem de mim fique presa entre o caminho da sua retina ao seu cérebro e que não consiga retirá-la de lá, como uma pequena farpa que ficou presa entre duas camadas da sua pele.
Isso porque durante as manhãs de domingo sua imagem me atinge a mente como se fosse uma avalanche. Porque eu lembro perfeitamente da forma com que você dorme, como seu braço se curva, leve, perdido como uma vela de um barco. Eu queria que soubesse que eu ainda conheço pressão do seu abraço ou a forma com que você, distraído, olha para o nada. Que essas coisas, bobas e desimportantes, estão grafadas com estilete no fundo das minhas memórias, eu lembro muito, mesmo do muito pouco...
Pode ter certeza que eu tenho me sentido triste. Que tenho andado com uma das 3 moedas que você esqueceu aqui em casa, numa tarde de filme, que agora ela dorme na palma da minha mão. Queria que soubesse que guardei alguns de seus garranchos, alguns deles que você nem sabe que tenho, porque, eu confesso, roubei. Tenho um ou outro detalhe que você me entregou, como se fosse simples... Mas que para mim não é.
O gosto de saudade é tudo o que tenho na boca, o desespero que você as vezes vê meus braços, num tremor leve quando está perto de mim, numa tentativa falha de nos aproximar, tem se tornado mais forte, os meus olhos tem desejado constantemente trombar nos seus. E eu tenho esperado suas palavras me atingirem, que sua presença seja mais do que uma vela que me faz olhar fixamente, até que se apague...
Sei que não vai ser. Mas não há problema algum em imaginar, em calcular distraidamente o que vai acontecer daqui a alguns meses, alguns anos, algumas décadas... Que mal há nisso se não a saudade que eu já sinto? É um jogo para mim, que me permite deixar de lado a realidade, sem jamais esquecê-la, porque para mim ela é muito clara... Mas tenho minhas dúvidas se você conseguiu entender realmente o que te disse...
E por isso a caixa.
Eu deixei a caixa na frente da sua casa. Ela representa todo o futuro que podemos ter.
E é por isso que está vazia...