Você não deve ter
entendido porque eu deixei uma caixa na frente da sua casa com um cartão com o
meu nome.
Mas eu queria que
você tivesse a dimensão das coisas antes de eu ir embora, como te disse na
quarta à tarde. Naquele dia meio morno, sem nenhuma graça se não você. Quando
estávamos juntinhos e eu fiquei longos minutos tentando repassar o que deveria
te falar, enquanto você, tão alheio a minha confusão, sorria leve e me contava
sobre seu dia a dia...
Eu não consegui te
passar o que queria... Então aqui vai.
Queria que soubesse
do peso que sua ausência vai causar... Do silêncio que vai ser não ter você
para conversar, não ouvir sua voz, mas tê-la guardada dentro da minha cabeça...
Lembro a cena exata em que você me disse... Como
você é bonita... E que eu te beijei em seguida...
Queria que você
soubesse que é muito real minha partida, que ela existe além da minha vontade,
além da sua vontade, como uma grande certeza, porque ela foi a minha única luta
e, nem mesmo eu, posso ou quero desistir dela agora. Que ela tem um tempo, que
começa numa terça de manhã em que uma caixa esteve na frente da sua porta, e
que não termina nunca, porque nem mesmo eu sei onde é o fim do caminho.
Queria que soubesse
que todos os pequenos presentes e detalhes nossos, que não estão com você,
estão comigo. Acho que eles vão me assombrar... E espero que assombrem você
também, que te façam a noite ficar 3 horas olhando o teto, que te façam ficar
triste ao olhar um desenho nem caderno, que te façam ficar em silêncio... Mesmo
você, cheio de palavras, reclamações, informações, às vezes tão
desnecessárias... Quero que a ideia que tem de mim fique presa entre o caminho da
sua retina ao seu cérebro e que não consiga retirá-la de lá, como uma pequena
farpa que ficou presa entre duas camadas da sua pele.
Isso porque durante
as manhãs de domingo sua imagem me atinge a mente como se fosse uma avalanche.
Porque eu lembro perfeitamente da forma com que você dorme, como seu braço se
curva, leve, perdido como uma vela de um barco. Eu queria que soubesse que eu
ainda conheço pressão do seu abraço ou a forma com que você, distraído, olha
para o nada. Que essas coisas, bobas e desimportantes, estão grafadas com
estilete no fundo das minhas memórias, eu lembro muito, mesmo do muito pouco...
Pode ter certeza
que eu tenho me sentido triste. Que tenho andado com uma das 3 moedas que você
esqueceu aqui em casa, numa tarde de filme, que agora ela dorme na palma da
minha mão. Queria que soubesse que guardei alguns de seus garranchos, alguns
deles que você nem sabe que tenho, porque, eu confesso, roubei. Tenho um ou
outro detalhe que você me entregou, como se fosse simples... Mas que para mim
não é.
O gosto de saudade
é tudo o que tenho na boca, o desespero que você as vezes vê meus braços, num
tremor leve quando está perto de mim, numa tentativa falha de nos aproximar,
tem se tornado mais forte, os meus olhos tem desejado constantemente trombar
nos seus. E eu tenho esperado suas palavras me atingirem, que sua presença seja
mais do que uma vela que me faz olhar fixamente, até que se apague...
Sei que não vai
ser. Mas não há problema algum em imaginar, em calcular distraidamente o que
vai acontecer daqui a alguns meses, alguns anos, algumas décadas... Que mal há
nisso se não a saudade que eu já sinto? É um jogo para mim, que me permite
deixar de lado a realidade, sem jamais esquecê-la, porque para mim ela é muito
clara... Mas tenho minhas dúvidas se você conseguiu entender realmente o que te
disse...
E por isso a caixa.
Eu deixei a caixa
na frente da sua casa. Ela representa todo o futuro que podemos ter.
E é por isso que
está vazia...