quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Begônias


- Por que você sempre me trás rosas...?
            - Porque as rosas são o símbolo do amor – ele disse se debruçando sobre ela e dando-lhe um beijo em sua testa – e é exatamente isso que eu sinto por você.
            Ela segurou o buque. Não sorriu. E ele não entendeu.
            Mas deixou as rosas sobre o colo, e olhou-o com atenção. Deixou sua mão cair sobre a dele, e deixou que estas ficassem juntas, quando ele a segurou em retribuição. Sorriu então.
            Não comentou mais sobre as flores, que repousaram silenciosamente sobre seu colo, sem sua atenção e sem o devido cuidado e amor que ele previu que ela lhes daria, mas, mesmo assim, tentou não se incomodar, não havia motivo para se incomodar, ela estava ao lado dele, rindo sobre as coisas, comentando sobre o que haviam feito e como haviam passado o tempo, sobre seus sonhos e emoções. Ele logo se esqueceu das flores sobre o colo dela, para dar atenção apenas a ela e também a ele mesmo e nada mais.
            E as rosas ficaram ali. Silenciosas.

            Ele era muito mais velho que ela, ou assim pareceu quando começaram a sair juntos. Era quatro anos mais velho e, embora isso não pareça muito agora que ela tem dezenove, havia sido muito quando tinha quinze, ou mesmo quando a conheceu, com catorze. Mas agora a diferença de idade parecia apenas ser um detalhe, mínimo, que ele nem sempre se lembrava nem mesmo percebia.
            Conheceu-a ao acaso, e o acaso fez com que ficassem juntos.
            Ele as vezes gostava da recordar.
            Mas nem sempre, as vezes sentia-se como um idiota.
            Conheceu-a pequena demais, com todas aquelas idéias infantis a respeito do amor e da realidade, e, embora crescesse rapidamente, as pequenas idéias mágicas sobre a vida pareciam nunca se desfazer dela.
            Perdeu a conta de quantas vezes terminaram e voltaram. Não havia dedos suficientes para que pudesse contar nas mãos, e as vezes, duvidava inclusive de seus pés.
            Mas ele sempre voltava para ela, assim como ela para ele. Não entendia o porque. Nem do termino, nem da volta. Entretanto a angustia que sentia todas as vezes que terminavam sempre o forçava sobre o mesmo caminho, e ele se via descendo a rua ate a casa em que ela morava, bater na porta mais uma vez, ver o pai abrir com aquela cara brava, ver a mãe olhá-lo de esguelha, sentar-se constrangido no sofá da sala, remexer nas almofadas desconfortavelmente, sentir-se culpado. Eles deveriam saber que ela havia chorado. Ele sabia também. Sempre chorava. Sempre...
            Então o pai dela o olharia por muito tempo, condenando-o pela tristeza da filha, como se ele fosse sua ruína, embora, dali três dias, quando fizesse um churrasco no fundo da pequena casa, ele riria ao lado do homem que chamava de ‘filho’ e diria que nada no mundo fazia sua garotinha mais feliz. Era sempre assim.
            As vezes ele queria ir para qualquer lugar que não aquela casinha.
            Descer toda a rua para vê-la.
            As vezes, quando terminavam ele se via indo para lá, e então desviava. Veria todo o mundo antes dela, sairia com todas que conseguisse, a esqueceria!...
            Não conseguia.
            E então seus pés voltavam a descer a rua da casa dela, para bater na porta dela, e olhar os olhares de culpa voltados a ele pelos pais dela, para então voltar a ser dela. Era assim, ele sabia. Havia tentado fugir tantas vezes, quis mudar, quis namorar outras, quis ir em festas e ficar em festas até não conseguir mais ficar de pé, e ir esquecendo tudo, mas não conseguia... Tentava e falhava. Ia nas festas e pensava o que ela diria se o visse ali, se ela um dia iria em um lugar assim, pensava o que ela faria ali, então buscava conversar para se distrair, mas via-se querendo falar com ela, irritava-se, buscava então alguma garota interessante, mas só as interessava aquelas que lembravam dela, e quando via que não era a sua garota ele se sentia traído, cansado, perdido...
            Voltava a descer a rua. Eventualmente.
            As vezes investia mais tempo, dedicava a essas replicas de sua garota alguns momentos e algum amor. Se afastava daquela que o fazia descer a rua até a pequena casa. Mas isso não durava mais que algumas memórias, algumas lembranças, e a vida dele era cheia deles...
            Brigavam sempre.
            Voltavam depois de horas, dias, semanas, meses, até mesmo podia passar um ano, mas voltavam.
            Encontrava sempre a mesma menina, ela parecia sempre pequena a ele, e ele entendia que tinha quebrado mais uma vez aquele coraçãozinho frágil de garota, pedia perdão, pedia desculpa, pedia que voltasse, pedia, pedia, pedia... Ela aceitava tudo já na primeira, mas ele preferia que ela demorasse, que o fizesse sofrer também. Não fazia. Não o esnobava, nem recusava sua volta, e ele queria que ela fizesse algo de ruim para ele, para que doesse nele e tivesse então algo para que ele pudesse ressentir.
            Mas não fazia.
            E ela voltava as mãos para as mãos dele, os olhos para os olhos dele, seu corpo para o corpo dele.
           
            - Como foi seu dia? – ela perguntou.
            - Bom – ele respondeu laconicamente.
            Ela não gostava quando ele falava assim, parecia que não queria conversar com ela, ou que estava escondendo coisas dela mais uma vez.
            Ela sabia que ele escondia coisas.
            E respondia sempre assim, simples, compacto, sem aquela emoção que a guiava para perto dele.
            Ficava triste...
            Quando ele queria esconder alguma coisa falava assim, mas nunca escondia nada... Ela sabia que as vezes ele saia com outras, sabia que, cada vez que terminavam ele tentava se ver livre dela, sabia também que ele as vezes se irritava com ela e suas atitudes infantis.
            Ele sempre usava essa palavra quando estava irritado com ela, usava-a como um peso, colocando sobre eles uma linha que ela não poderia atravessar. Era culpa dela ser mais jovem? Não achava... Era culpa então ser mais doce? Mas não eram todas as garotas cheias de florzinhas e coraçõezinhos? Não sabia, ele não dizia o que achava.
            As vezes ele percebia que ela estava triste com a resposta, e ia completando, mesmo sem vontade de falar, para que ela se sentisse feliz. Mas as vezes não, e ela se via triste e sem esperança, porque assim que perguntasse mais uma vez incomodaria.
            Incomodava as vezes de propósito, fazia-se chata, fazia-se indomável e forte. Mas não era, nem uma nem outra coisa. Era só menina e era só apaixonada.

            - O meu também – disse querendo que ele continuasse.
            - Que bom – ele riu – o que aconteceu de interessante?
            - Você veio! – ela disse sorrindo.
            Mas ela não falou das rosas.
            Ele havia lhe trazido rosas, e isso era importante, e isso era algo que devia fazê-la feliz. Mas nem sequer um sorriso lhe foi dado pelas flores.
            - Eu sempre vou vir – ele disse.
            E a frase romântica soou como mentira nos ouvidos dela. Nem sempre ele vinha, nem sempre ele queria estar ali, no jardim da casa dela, pequeno, simples, ordinário até. Não queria brigar agora... Então não falou.
            Ela segurou com mais força a mão dele, como se temesse que de repente ele decidisse se levantar e ir embora. Ele sempre ia mesmo...
            - As provas estão chegando perto... – disse para quebrar o silêncio.
            - Preocupado?
            - Um pouco... Sabe como é...
            Falava a frase como se dela saíssem reticências, mas, para ela, na verdade era um ponto.
            Ela não sabia como era. Ela não fazia economia em uma cidade que não era sua cidade natal, ela não tinha dinheiro para ir longe de casa, ela não cursava o que queria, cursava o que sabia que lhe daria uma renda mínima para sobreviver, trabalhava meio período para conseguir ajudar a família, fazia pequenos trabalhos manuais para ajudar a mãe que era costureira... Não, ela não sabia como era.
            Queria ter feito direito.
            Mas não havia tempo para se dedicar aos estudos, nem dinheiro para bancar os livros do curso, nem dinheiro para os ônibus... Ela tinha que trabalhar também!
            - Entendo – não entendia.
            - O bom é que depois das provas vão vir as férias – ele sorriu para ela.
            Ela olhou para o seu colo, colocou as mãos ali, delicadamente, envolvendo a mão dele, olhando a larga mão quadrada, forte, tão maior que suas pequenas mãos compridas.
            - E eu vou visitar meus pais, queria que fosse comigo – ele disse.
            Ela queria ir, queria poder gritar sim para a pergunta assim que ele tivesse-a feito, queria abraçá-lo e dizer que fizesse suas malas. Mas não sabia se poderia. Tinha que ver se teria férias no trabalho, se a mãe tinha trabalho, se havia dinheiro suficiente para passarem esse tempo sem ela ali para ajudar, se havia dinheiro suficiente guardado caso ocorresse alguma emergência...
            Segurou a mão dele com força, e beijou-lhe a bochecha.
            - Deixe-me ver que dias eu consegui livre do trabalho e veremos isso certinho – escondeu o restante dos impedimentos.
            - Claro – mas ele queria que ela tivesse dito um sim apaixonado.
            Se fosse anos atrás ela teria feito isso.
            Teria lhe feito encher de felicidade. Ela iria com ele! Para que depois ela viesse chorando para ele dizendo que não podia. Não podia? Por que havia dito sim? Por que o fez acreditar que ela iria com ele? E ela choraria, não diria porque, e ele seria duro com ela. Meus pais acham que estou mentindo quando falo que tenho uma namorada, ele comentaria, afinal, eles nunca vêem você, tem tanto medo assim de assumir um compromisso sério comigo?
            Mas ela era séria! Muito mais que ele.
            - Se eu puder ir, onde vai me levar? – ela perguntou meio por curiosidade, meio por gostar da forma com que ele divagava a respeito do futuro.
            Ele podia se dar ao luxo de escolher quaisquer coisas que desejasse, possuir tudo o que sonhasse, realizar todas as coisas que pensasse. Ela sabia que não seria assim com ela, tinha que ser séria, tinha que ver as coisas em sua forma real... Achou que o amor era uma grande fantasia, mas então apaixonou-se, e percebeu que estivera errada... Quantas vezes não chorou? Quantas vezes não brigou? Quantos vezes não voltou?
           
            Todas as vezes que brigavam ele voltava a pequena casa no final da rua. O buque de rosas sempre as mãos, pelo menos nesses novos inícios.
            Eram rosas cor-de-rosa, eram rosas vermelhas, rosas amarelas, rosas brancas, rosas e mais rosas de cores que nem sempre ela podia imaginar que existissem. Eram rosas com as cores das palhetas dos pintores, rosas com cor de sonho, eram rosas de muitos tons. Sempre rosas, sempre assim...
            E eram colocadas em um lindo vaso de vidro, e então colocadas na mesa de cabeceira dela. Dormia olhando as rosas, e acordava com seu perfume.
            Rosas eram as favoritas dele. A expressão perfeita do amor, costumava dizer. Ela apenas sorria e as segurava com mãos frouxas. Ele segurava as flores com dedos leves, como se fossem vidro, e, quando andava com elas, parecia que as queria perto e ao mesmo longe, era engraçado de se ver, mas ela não via graça nisso, achava apenas bonito, achava que ele carregaria as crianças assim, sem saber se deveria aproximá-las demais ou afastá-las para que ficassem mais confortáveis, mais seguras, mais protegidas do mundo ao redor.
            Ela sabia que, se fosse para casar e ter filhos com alguém, esse alguém era aquele rapaz. Ele não tinha tanta certeza, sabia que amava ela, mas ainda era jovem, e como jovem gostava de aventuras, de viajar, de conquistar, gostava do mundo, e queria o mundo para si, não havia nele aquela disposição de permanecer em um único lugar, aquela tranqüilidade e competência para criar uma família, não, ainda não.
            No entanto pegava-se pensando em como seria casar-se com ela, em que tipo de casa teriam, qual seria o tipo de vida, quantos filhos, seria um cão ou um gato o bichinho de estimação? Mas então brigavam, e ele queria que ela nunca tivesse aparecido! Queria que ela desaparecesse, queria que ela fosse...
            E ele se via pronto para se apaixonar por quaisquer outras.
            Saia, festejava, bebia, beijava, dormia, corria, ligava, brigava, pensava...
            Voltava.
            E encontrava a mesma menina que ele havia deixado para trás.
            Ela não havia saído com ninguém.
            Não havia bebido.
            Não havia mudado.
            E ele se sentia culpado...
            Então vinha com rosas. Quantas rosas eu preciso trazer para ser perdoado? Mas ela perdoava tudo na primeira, aceitava voltar, aceitava namorar com ele de novo, aceitava tudo, e ele não ficava satisfeito. Não, não ficava.
            Enchia o quarto dela com rosas. As mais belas que puder encontrar! As mais perfumadas, as mais doces, as maiores, as melhores! Para o amor voltar...
            E ela nunca havia deixado de amá-lo.
            Ele?... Ele não sabia o que havia acontecido com ele...
            Não dizia nada sobre o que tinha feito. E ainda assim sabia que ela sabia. Perguntava-se quem havia-o traído, mas o único que fazia isso era ele mesmo. Respondendo com palavras curtas, incitando-a se questionar, incitando-a a buscar os pedaços de suas palavras vagas o restante que ele sentia medo e vergonha de falar.
            A cidade falava, claro. Pequenas cidades universitárias são assim, cheias de estudantes e comadres. Ela só precisava prestar atenção aos cochichos.
            O olhar dela não o acusava de nada, então ele fazia o trabalho, e se acusava e se atormentava sobre seu comportamento. Havia decidido namorar aquela garota, não? Então por que estava fazendo tudo errado mais uma vez? Por que? E não sabia dizer... Haviam brigado, estava bravo, irritado, achou que o melhor era tentar esquecer, era deixar de lado tudo, esquecer que em algum momento havia amado justamente ela. Tentava. Falhava. Voltava.
            Arrependia-se.
            Ressentia-se.
            Mas todo o mal já estava feito, e só restava culpar-se e ficar triste e amuado. E então ela o consolava.
            Ele lhe traria todas as rosas do mundo por isso.

            - Primeiro vamos á uma sorveteria – ele disse rindo.
            Ele a conheceu em uma sorveteria, quando ela era pequena, para ele, ainda uma criança.
            Era prima de um amigo de faculdade dele que havia prometido levá-la para tomar sorvete. Riu dela a primeira vez que a viu, era tão infantil, e ele se achava tão maduro por estar longe de casa e fazer uma faculdade.
            Falou pouco com ela, não tinha tempo para crianças.
            Mas ela passou a gostar dele naquele momento. Não lembra mais das palavras que ele disse aquele dia, nem do desdém que as vezes existia em sua voz. Lembra que ele olhava para as suas mãos quando falava sobre alguém que admirava, que olhava as vezes para o nada, como se estivesse vendo alguma coisa ao longe, muito importante, percebeu que havia momentos que olhava para a mesa, ria e voltava o sorriso para o amigo e para ela. E ria tão livremente porque era realmente livre. E ela se apaixonou.
            E para ele ela era apenas uma criança tomando sorvete.
            E, no entanto, ele logo mudaria de opinião.
            Cidade pequena... Havia sempre muitas oportunidades para se encontrarem. E era aquele olhar de reconhecimento no mercado, aquele ‘oi’ dito quando se viam na rua, aquele sorriso quando estavam na mesma lanchonete. Coisas simples.
            E ele acabou vendo o quão bonita ela era, e o quão estimada era pelos moradores da cidade que a conheciam. Encantou-se aos poucos. E como quem não quer nada se aproximou devagar... Passou a parar para conversar com ela quando a encontrava, as vezes até ajudava-a com as compras do mercado, carregando todas as sacolas ate a casa dela, e foi ganhando estima dos pais, além da do primo e da garota. E então, não havia passado quatro meses desde que se viram na sorveteria, quando se beijaram pela primeira vez.
            - Só se tiver sorvete de menta – respondeu rindo.
            - Claro! Por favor, eu moro na cidade grande – disse alegre.
           
            - Meus pais vão ficar felizes de vê-la de novo – ele disse para persuadi-la.
            Ela gostava dos pais dele, gostava de como a tratavam.
            As vezes ele não gostava de como seu pai o tratava perto da namorada. Ela era de fato uma princesinha em sua casa, os pais dele lhe perguntando tudo educadamente, ela se oferecendo para ajudar onde pudesse, porque realmente queria ajudar, e aqueles comentários leves de que ela era boa e doce demais para o filho deles.
            Eles sabiam o que o filho aprontava quando ela estava longe e estavam brigados, sabiam das festas e de quantas garotas ele não levou para seu quarto. E eles ficavam preocupados. Nenhuma das namoradas anteriores do filho se comparava aquela, havia uma diferença enorme entre elas, pareciam-se sempre fisicamente, mas aquela garota tinha algo que parecia esquecido, algo de antigo e que apenas poderia chamar de tradicional, que as demais já não apresentavam...
            E então ele voltava com ela.
            Os pais suspiravam relaxados.
            Principalmente o pai. Aliviado, não teria uma nora desmiolada, consumista e esnobe, teria a nora que ele queria ter, educada, prestativa, tradicional.
            Não havia aprovado quando soube deles de inicio. Muito nova! O que você acha que esta fazendo com essa garota? Vai acabar destruindo os sonhos dela, e, é, ele destruiu, muitas e muitas vezes ele a fez chorar, mas ela amava ele, e tinha certeza disso, então os cacos que eventualmente eram formados pelos problemas e atritos entre eles eram apenas parte do que ela, de certa forma, inevitável ou não, havia escolhido.
            Ela poderia dizer não. Não o perdoava.
            Não o queria de volta.
            Não iria voltar.
            Poderia dizer para ele sair de seu quarto, sair de sua casa, subir rua que dava na pequena casa, e sair de sua vida com tudo isso. E que levasse as rosas. Não queria rosas!
            Mas não dizia.
            Queria ele ali.
            Pagaria o preço.
            Tudo tem um preço, e se o preço dele eram aquelas brigas e aquelas dores, então que pagasse ou que largasse. Mas não conseguia largar, via-se sempre desesperada quando isso acontecia, perdia o ar, perdia a fome, perdia o chão! Ele não estava mais lá? Não via seu futuro sem ele, e quando tentava-o imaginar era apenas algo disforme e dissoluto, sem caminho fixo, sem qualquer caminho que ela desejasse caminhar, era apenas ela sozinha, e ela não queria estar sozinha...
            O pai quis que ele ficasse longe da menina, quando ela ainda era menina, e, no entanto, depois de conhecê-la quis que ele crescesse e se tornasse adulto logo, para que não perdesse-a, ainda temia que brigasse por algo bobo, e que o orgulho o fizesse se afastar dela e então um novo rapaz lhe tomasse o coração. Sabia que deveria apenas querer o melhor para ela, mas não conseguia, queria o melhor para o filho, e ele acreditava que isso era o namoro dos dois.
            Sempre que se encontravam ela sorria para os pais dele, queria ter mais chances de se encontrarem, de poder ouvir as histórias daquela família, pareciam tão cheios de histórias, com vidas cheias de aventura e possibilidade. Coisas que havia tão pouco em sua casa.
            E os pais dele se alegravam com a curiosidade infantil dela, sentiam-se importantes, sentiam-se prestigiados com a presença dela.
            - Eu quero muito vê-los – ela sorriu – faz tanto tempo que não nos encontramos!
            Ele via os pais dela quase todos os dias, e deles ele não conseguia sequer esconder suas piores partes, mas havia entre eles um entendimento silencioso, uma seqüência. Ele seria tratado com o amor que os pais dedicam aos filhos se fizesse a filha deles feliz, e seria tratado com hostilidade quando a fizesse chorar.
            Era simples.
            Ele entendia a regra. Nada de lágrimas, apenas sorrisos.
            Não conseguia.
            Ele a conheceu jovem demais, e ela ainda havia tantas idéias infantis sobre o amor... Não havia como andar naqueles sonhos sem quebrar algumas partes, não havia como discutir sem quebrá-la um pouco, não havia como continuarem juntos se ela vivia em fantasias.
            Era culpa dele.
            Mas ela não culpava ele.
            Ele se culpava. Os pais dela o culpavam. Os pais dele o culpavam.
            Merecia. Reconhecia. Sabia. Ficava triste. Magoado. E então, vinha de volta para ela, e pedia perdão, e enchia a vida dela de rosas, para o amor ficar mais um pouco.
            - Você está com sono também? – ela perguntou a ele, deitando a cabeça em seu ombro e suspirando lentamente.
            - Um pouco – ele respondeu percebendo seu cansaço.
            As rosas repousavam sobre o colo dela.
            Houve épocas em que o quarto dela cheirava a rosas, e mesmo ela cheirava a rosa. Momentos em que eles haviam brigado por um tempo longo demais.
            Quando ela fez dezessete ele se desesperou. Vai prestar vestibular, vai passar em algum lugar longe e vou perdê-la, então brigava, não porque queria brigar, mas sentia tanto medo. Ela o abandonaria... Não podia, não queria, não era assim! Ele não havia ficado junto dela quando ela era pequena, despreparada, nada realista, sem saber o que era um namorado, o que era namorar? Não podia agora simplesmente dizer que cresceu e que estava indo embora... Ele não ia agüentar.
            Brigavam. Ela chorava. Ele ressentia. E que venham as rosas.
            Ele sempre comprava rosas para as garotas que amava.
            Para todas as garotas que ele gastava seus momentos.
            Ela o encontrou várias vezes comprando rosas quando tinha catorze, quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, e por fim dezenove. Sempre rosas.
            Qual era o problema de rosas? Nada pode exprimir o amor melhor do que rosas! Era clássico, simples, e compreensível para qualquer pessoa, receber rosas era como receber o amor ele mesmo, não havia como errar.
            Não comprava outras flores, não precisava.
            - Você vem aqui amanhã? – ela perguntou antes dele se levantar.
            - Venho sim.
            Ele levantou, arrumou as roupas que haviam amassado em seu corpo torto sentado no banco.
            Olhou a lua distraidamente. Longe. Como ela havia reparado na primeira vez que se encontraram.
            - Posso perguntar uma coisa? – ele disse passando a mão pelo cabelo.
            - Pode – disse sorrindo.
            - Você não gostou das rosas? – perguntou, sinceramente curioso.
            - Não tenho nada contra elas...
            - Mas não esta feliz, esta?
            - Não – disse sinceramente.
            - Por que? – quis entender.
            Ela olhou para as mãos, da mesma forma que fazia todas as vezes que tinha algo importante e verdadeiro para falar.
            - Por que você me dá rosas se você as deu para todas as outras garotas com quem já esteve?