terça-feira, 17 de novembro de 2015

Hannah

            Ontem a noite eu sonhei com você de novo. Vestia um casaquinho azul claro. Você era muito jovem e pequena ainda.
            Sonhei muitas coisas, mas o que importa mesmo foi a parte em que você me apareceu no sonho, distante, com seu casaquinho, estava bem ao lado do portão do fundo de nossa antiga casa. A casa que eu tanto amo, mas que ficou para trás...
            Eu lembro que chovia sem pausa.
            Na cozinha eu escutei o portão se abrir. Foi o bastante para me fazer correr, eu não sabia onde você estava, mas ao ouvir o portão, eu sabia que você já estava lá, que já podia estar lá. Isso era perigoso.
            Eu escolhi teu nome... Hannah, como no quadro de hiper-realismo que vi na quinta série. Uma menina segurando um pequeno cachorro no colo. Nenhum dos que eu dei o nome escapou das artes, você veio de um quadro, Mei veio de um filme, Faber veio de um livro. Talvez seja minha pequena forma de dar algo para todos vocês que eu sei que tenho no coração. Arte.
            Eu vi você parada ao lado do portão. Quando ele se abriu, você correu para fora, pequena e desajeitada, com seus joelhos tortos como os meus. Eu gritei para alguém segurá-la, mas a chuva abafou meus gritos, e você ia, atravessava a rua movimentada. Eu gritava em vão.
            Estranho imaginar que sonhei com você tão jovem, quando, na verdade, você morreu a pouco tempo de velhice. Também dessa vez eu estava longe. Essa primeira vez que te perdi, fui saber apenas ao telefone, contada duas vezes para mim, chorada algumas vezes durante os últimos tempos, relembrada em silêncio como mais um de meus erros de ausência...
            Você passou a rua, em meu sonho, e foi andando. Eu não conseguia chamá-la, ninguém escutava meus gritos. Parecia que meus pés eram lentos demais. Parecia que você estava sempre distante de meu alcance... Eu, muito longe...
            Um senhor, no entanto, apareceu ao teu lado e te levou no colo. Você me pareceu doce e despreocupada no colo dele. Ele andou em minha direção, e estendeu você para mim. Lembro-me de afundar meu rosto em ti, de chorar, de pensar que estava tudo bem... Você ainda estava ali. O senhor me disse para ter cuidado. Que era fácil perder alguém assim... Mas você estava ali, e eu afundava meu rosto em teu casaco e chorava.
            Mas quando eu acordei, não estava. A quentura de teu corpo fora uma das ilusões...
            Acordei as 3h e tanto da manhã. Todos os relógios haviam parado. Uma chuva leve começava lá fora. Eu chorava. A tua ausência era enorme.

Todas as ausências são enormes... 
E eu estou longe demais.