Ontem
a noite eu sonhei com você de novo. Vestia um casaquinho azul claro. Você era
muito jovem e pequena ainda.
Sonhei
muitas coisas, mas o que importa mesmo foi a parte em que você me apareceu no
sonho, distante, com seu casaquinho, estava bem ao lado do portão do fundo de
nossa antiga casa. A casa que eu tanto amo, mas que ficou para trás...
Eu
lembro que chovia sem pausa.
Na
cozinha eu escutei o portão se abrir. Foi o bastante para me fazer correr, eu
não sabia onde você estava, mas ao ouvir o portão, eu sabia que você já estava
lá, que já podia estar lá. Isso era perigoso.
Eu
escolhi teu nome... Hannah, como no quadro de hiper-realismo que vi na quinta
série. Uma menina segurando um pequeno cachorro no colo. Nenhum dos que eu dei
o nome escapou das artes, você veio de um quadro, Mei veio de um filme, Faber
veio de um livro. Talvez seja minha pequena forma de dar algo para todos vocês
que eu sei que tenho no coração. Arte.
Eu
vi você parada ao lado do portão. Quando ele se abriu, você correu para fora,
pequena e desajeitada, com seus joelhos tortos como os meus. Eu gritei para
alguém segurá-la, mas a chuva abafou meus gritos, e você ia, atravessava a rua
movimentada. Eu gritava em vão.
Estranho
imaginar que sonhei com você tão jovem, quando, na verdade, você morreu a pouco
tempo de velhice. Também dessa vez eu estava longe. Essa primeira vez que te
perdi, fui saber apenas ao telefone, contada duas vezes para mim, chorada
algumas vezes durante os últimos tempos, relembrada em silêncio como mais um de
meus erros de ausência...
Você
passou a rua, em meu sonho, e foi andando. Eu não conseguia chamá-la, ninguém
escutava meus gritos. Parecia que meus pés eram lentos demais. Parecia que você
estava sempre distante de meu alcance... Eu, muito longe...
Um
senhor, no entanto, apareceu ao teu lado e te levou no colo. Você me pareceu
doce e despreocupada no colo dele. Ele andou em minha direção, e estendeu você
para mim. Lembro-me de afundar meu rosto em ti, de chorar, de pensar que estava
tudo bem... Você ainda estava ali. O senhor me disse para ter cuidado. Que era
fácil perder alguém assim... Mas você estava ali, e eu afundava meu rosto em
teu casaco e chorava.
Mas
quando eu acordei, não estava. A quentura de teu corpo fora uma das ilusões...
Acordei as 3h e tanto
da manhã. Todos os relógios haviam parado. Uma chuva leve começava lá fora. Eu
chorava. A tua ausência era enorme.
Todas as ausências são
enormes...
E eu estou longe demais.
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