Jamais desejaria a eternidade
Que sufoco deve ser
acordar para sempre assim
sozinho...
que tristeza não ter mais pais,
amigos, primos, tios
nem mesmo o gato de estimação...
Como deve ser infinitamente
triste saber
que sua saudade é infinda
que sua dor é infinda
que sua melancolia infinda se
espalha lentamente
pelos dias como uma angustia
eterna
De que adianta viver para sempre
se não há mais forças para ver o
mundo
nem há mais gosto para ver o
mundo
Se até suas pequenas lembranças
se perderam
Se a árvore do primeiro beijo foi
derrubada
Se sobre o parquinho que correu
um estacionamento surgiu
Se suas raízes apodreceram
e até a cidade natal agora te
rejeita
Tudo o que sabe e sente é que
está só!...
Pela primeira vez entende a
palavra ‘completamente’
Também não desejo a morte a
ninguém
Eu apenas a reconheço como uma
necessidade
talvez, se muito, amiga
que se enrosca em meus cabelos e
dorme
aconchegantemente nos meus
pensamentos
como um pequeno gato perdido
Sua presença é a sólida revelação
do tempo
que não volta...
Se eu pudesse mesmo desejar algo
queria o mundo todo imortal,
menos eu
Queria que todos vivessem a
eternidade
menos eu
Para que pudesse viver sem suas
mortes
e ainda assim pudesse partir
É de todas as coisas o meu maior
egoísmo
não ter esse respeito por vê-los
morrer
não ter forças para suas ausências...
Mas eu faria o favor de não
atormentá-los com minha efemeridade
eu passaria transparente por suas
vidas
num passo leve de ladrão e
bailarina
eu passaria como se espera e deve
uma brisa fria da manhã,
passaria como as vezes passo, num passo
lento
de uns meses perdidos, conversas
perdidas, abraços perdidos...
assim, tão distante...
Se isso pudesse ser real...
eu teria só o peso de um papel
ou de um poema esquecido
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